LUDUTOPIA

sábado, 4 de abril de 2015

"As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino


Sinopse:
Nada garante que Kublai Kan acredite em tudo o que diz Marco Polo ao descrever-lhe as cidades que visitou nas suas missões, mas a verdade é que o imperador dos tártaros continua a ouvir o jovem veneziano com maior atenção e curiosidade que qualquer outro enviado seu ou explorador... 
Só nos relatos de Marco Polo, Kublai Kan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a ruir, a filigrana de um desenho tão fino que escapasse ao roer das térmitas.



Opinião:
"As Cidades Invisíveis" é, talvez, o melhor livro que li nos últimos tempos! O livro mais metafórico que alguma vez me passou pelas mãos! Por ser tão diferente dos demais, ao abri-lo deparei-me com um índice um pouco invulgar. Cada sub-capítulo diz respeito a uma cidade diferente, que se associa a algo inerente ao ser humano, como, por exemplo, a memória, o desejo, os sinais, o nome, a morte, o céu. Todas estas e as outras que não referi estão numeradas e distribuídas por capítulos. O autor fez esta divisão com algum propósito? Eu li de forma tradicional, mas será que se reler o livro pela ordem numérica das cidades irei interpretar a obra de outra maneira?
Calvino conquistou-me com a soberba descrição das cidades apresentadas por Marco Polo ao imperador Kublain Kan. Em cada cidade sobressai uma ou outra característica peculiar que a distingue das outras e a descrição de todas elas são como metáforas sobre a vida ou o próprio ser humano. E é por isso mesmo que é impossível não personificar as cidades! Ainda para reforçar essa ideia, todas elas têm nomes femininos, como Isaura, Zora, Anastásia, Doroteia, Diomira, Isidora, Tamara, Maurília.


A imaginação do autor é de louvar! As cidades são diferentes e conseguem-nos fazer querer viver nelas, ou pelo menos ver com os próprios olhos como são de facto. Consegue fazer com que queiramos transportar o lido e imaginado para a nossa realidade. Quem não gostaria de viver em Zirma para passear pumas pelas ruas? Cidades subterrâneas iguais às que vivemos enquanto vivos, como a Eusápida, onde não há forma de saber quais são as cidades dos vivos e dos mortos, de tão semelhantes que são. Não terão sido os mortos a construir a cidade dos vivos? Cidades iguais em todos os cantos, cuja diferença são os nomes que lhes damos. Cidades, como Anastásia, que julgamos desejar, mas que na verdade não passamos de escravos aos seus pés. Cidades que não precisam de contar o seu passado, basta olhar para marcas do tempo deixadas por nós, seres humanos, nas ruas, janelas e postes. Cidades que nos marcaram tanto que são impossíveis de as apagar da nossa mente, porque haverá sempre algo nelas que nos fará recordar de momentos especiais. Cidades que crescem tanto ao ponto de uma avalanche de sapatos rotos possa representar um perigo de derrocada, apagando qualquer vestígio de metrópole sempre bem vestida.


Ao longo do discurso de Polo, Kublain Kan reconhece que as suas cidades já cresceram imenso por fora e que está na altura do seu império começar a crescer por dentro. Sem dúvida que esta reflexão é mais uma prova de que as cidades de Calvino são inspiradas em pessoas, pois remete para o desenvolvimento físico e psicológico do ser humano. Além disso, é referido que "a forma das coisas distingue-se melhor com a distância". Esta frase tem uma interpretação dupla: podemos associá-la à própria construção das cidades, bem como as experiências de vida de uma pessoa, em que só nos apercebemos de certas coisas quando os problemas estão resolvidos ou nos distanciamos de alguém.
A certa altura perguntei-me se deveria questionar a veracidade dos factos contados por Polo, já que a descrição das cidades pareciam tão irreais, de tão sublimes que são. Marco Polo não estaria a contar todas estas histórias apenas para ganhar a confiança do imperador? Kublai chegou mesmo a perguntar ao veneziano se ele repete a toda a gente essas histórias. Marco apenas lhe responde que sim, mas quem o ouve só fixas as palavras que deseja, que "quem comanda o conto não é a voz: é o ouvido". Isto é, a história é a mesma, mas cada pessoa retém o que lhe convém, porque todos somos diferentes. Será que o autor nos quis contar que cada leitor interpretará esta obra de maneira diferente? Que se ler os sub-capítulos pela ordem numérica, apesar da história ser a mesma, irei ter uma visão contrária à inicial? A resposta a estas questões não a tenho, mas uma coisa vos garanto: Calvino sabe como inquietar qualquer leitor!


Focando-me agora na edição do livro, posso dizer-vos que foi bem editado. A capa é simples, mas atrativa e apresenta-nos a Torre de Babel, cidade extremamente rica e poderosa, ilustrada por Pieter Brueghel. Perto dela ainda vemos trabalhadores, possivelmente a construir uma nova cidade. Agora pergunto-vos... são as pessoas que constroem as cidades ou são as cidades que moldam as pessoas?
Para terminar, cito-vos uma pequena frase que aparece nos últimas páginas do livro: "(...) basta que alguém faça qualquer coisa só pelo prazer de fazê-la, e para que o seu prazer se torne o prazer dos outros." Realmente foi um prazer ler esta obra. Obrigado, Calvino!

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