Editora: Caminho
Nº de páginas: 182
Sinopse:
Quem diabo é este Deus que, para enaltecer Abel, despreza Caim? Se em O Evangelho Segundo Cristo José Saramago nos deu a sua visão do Novo Testamento, em Caim regressa aos primeiros livros da Bíblia. Num itinerário heterodoxo, percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha pela mão dos principais protagonistas do Antigo Testamento, imprimindo ao texto o humor refinado que caracteriza a sua obra. Caim revela o que há de moderno e surpreendente na prosa de Saramago: a capacidade de fazer nova uma história que se conhece do princípio ao fim. Um relato irónico e mordaz no qual o leitor assiste a uma guerra secular, e de certa forma, involuntária, entre o criador e a sua criatura.
Opinião (sem spoilers):
"Caim" é o segundo livro que leio de Saramago e, mais uma vez, surpreendi-me com a capacidade do autor em escrever sobre algo tão delicado como a crença religiosa, de forma sagaz, irónica e divertida. Juro que nunca pensei em divertir-me com algo escrito por ele. Puro preconceito, eu sei!
Nesta obra acompanhamos principalmente a vida de Caim, um protagonista que nos faz questionar acerca do carácter do Senhor, mas antes disso, são-nos apresentados Adão e Eva. É a partir da criação do casal — que se vê obrigado a sê-lo por serem os únicos no paraíso — que a ação se desenrola. Avançando um pouco na estória (ou história para os crentes), Adão e Eva têm três filhos: Caim, Abel e Set. O mais velho, Caim, comete um erro ao querer vingar-se de Abel, por este provar ser melhor que ele, ou, pelo menos, ter sido o único a receber a aprovação do Senhor. Posto isto, e sentindo-se "dono soberano de todas as coisas", palavras ditas pelo próprio, Deus decide castigar Caim:
"Andarás errante e perdido pelo mundo, Sendo assim, qualquer pessoa me poderá matar, Não, porque porei um sinal na tua testa, ninguém te fará mal, mas, em pago da minha benevolência, procura tu não fazer mal a ninguém, disse o senhor, tocando com o dedo indicador a testa de caim, onde apareceu uma pequena mancha negra"
Deste modo, Caim entra numa jornada pelo tempo e pelo espaço. A mancha negra na testa permite-lhe viajar entre o passado e o futuro e até para diferentes locais no presente. Podemos perceber por isto que o protagonista andará mesmo perdido pelo mundo, já que não tem poder de decidir para onde ir. Simplesmente fica à mercê de Deus... ou do destino. Sabe-se lá! Durante essas viagens, Caim depara-se com personagens marcantes da Bíblia, como Lilith, Abrão, Isaac, Ismael, Moisés, Noé, e também com construções e acontecimentos memoráveis, como a Torre de Babel, os incêndios em Sodoma e Gomorra, a barca de Noé. O foco da maioria dos capítulos recai pouco em Caim, mas sim nas personagens que o rodeiam. O protagonista é usado sobretudo como a entidade que põe em causa as atitudes de Deus, ao contrário dos outros que seguem à risca as ordens Dele. É durante esses pensamentos e reflexões que percebemos o quão mesquinho é o Senhor. Saramago chega mesmo a ridicularizá-lo, transformando-o numa criança amuada que só faz o que quer porque assim o deseja e quando reconhece que faz asneira, esconde-se. Isso é tão evidente numa passagem do livro que me deixou boquiaberto:
"Do que não há dúvida é de que as coisas estão muito mudadas. Antigamente o senhor aparecia à gente em pessoa, por assim dizer em carne e osso, via-se que sentia mesmo certa satisfação em exibir-se ao mundo, que o digam adão e eva, que da sua presença se beneficiaram, que o diga também caim (...) Agora, o senhor esconde-se em colunas de fumo, como se não quisesse que o vissem. Em nossa opinião de simples observadores dos acontecimentos andará envergonhado por algumas tristes figuras que tem feito, como foi o caso das inocentes crianças de sodoma que o fogo divino calcinou."
A Igreja deve ter adorado o livro! Saramago rebaixou a figura de Deus totalmente. Melhor ainda foi o final, no mínimo hilário. De tanto brincar e castigar os inocentes, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. E o mais incrível é que a justiça foi feita pelas mãos de uma das suas crias.
Este livro tornou-se um dos meus favoritos da vida. "Caim" é uma leitura obrigatória! O livro é pequeno, nem 200 páginas tem, portanto lê-se num instante. Até agora é o meu favorito de Saramago. Já me apercebi também que os livros dele não têm grandes acontecimentos ou reviravoltas, mas apesar disso primam pela escrita e crítica sempre presente ponta da língua ou dos dedos. Que venha agora o terceiro! Aceito sugestões :)
Classificação:
Confesso que fiquei curioso, principalmente por não ser crente.
ResponderEliminarNunca pensei vir a dizer isto mas... parece que fiquei interessado num livro do José Saramago! Embora não seja uma pessoa muito religiosa, sou um grande fã de sarcasmo. Depois da tua review fiquei mesmo com vontade de ler a história completa :)
ResponderEliminarRicardo, The Ghostly Walker.
Eu sou daquelas que vejo em Saramago um grande talento e bons livros, mas que infelizmente, por muito que tente não consigo avançar nas leituras dele. Uma pena.
ResponderEliminarÉ um dos livros dele que mais interesse tenho. Houve uma imensa polémica, mas são esses os melhores. Continua a ler Saramago, Lud. Não perdes nada com isso, muito pelo contrário. :P
Beijinho.
Olá!
ResponderEliminarNunca li Saramago (ou melhor, fiz uma tentativa mas não passei da primeira página =P ) mas tenho que lhe dar uma oportunidade. E este parece ser um bom livro para experimentar.
Bjs
Mais um livro a registar. No que toca a sarcasmo... não é fácil conquistar-me, porque volta e meia encontro um que me cai mal e é o suficiente para embirrar com o resto do livro, mas quando me cativa, awesome!!
ResponderEliminar:D
Abraço e boas leituras
É um dos que tenho mais curiosidade para ler de Saramago precisamente por todo o livro ter esse tom irónico sobre a religião.. tenho que ver se começo a pegar a sério nos livros dele.. :D
ResponderEliminarBeijinhos*
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Acho que este é o único livro que nunca li de Saramago. Talvez o vá ler agora...
ResponderEliminarAdorei o livro, li-o em dias. Comecei logo As Pequenas Memórias e agora estou n'A Jangada de Pedra. Engraçado que quando peguei no livro para o ler, pensei que não fosse ser capaz de o terminar, ou talvez, ter vontade de ler Saramago por não estar habituado à sua escrita. Logo na primeira página, percebi que estava errado e fiquei completamente rendido ao livro. Dei por mim a ler a caminho do trabalho, enquanto caminhava, na casa de banho e na fila do Pingo Doce. Recomendo.
ResponderEliminarAntes que o Ruben venha para aqui comentar com um comentário inteligente: Eu vou casar com o Ludgero e o meu ginja com a sua gata.
ResponderEliminarOlá Ludgero,
ResponderEliminarBom estás mesmo a gostar de Saramago, que bom.
Eu vou ler O Ensaio sobre a cegueira para o Desafio 2- Chegada do Outono, da Ana do Goodreads. Espero gostar.
Beijinhos e boas leituras,
Para o próximo do Saramago, tenta o Evangelho Segundo Jesus Cristo. É, até agora, o meu favorito dele :))
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